Investimentos urgentes em ferrovias — para que elas se tornem a principal matriz do transporte de cargas no país, visando ao escoamento de grãos, carnes e outros produtos agrícolas, além de itens da indústria — foram defendidos pelos participantes do debate promovido nesta quinta-feira (10) pela Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) .
Representantes do setor privado pediram celeridade na aplicação de recursos e mais investimentos do setor público, além de clareza quanto aos projetos de ampliação da malha ferroviária nacional. Eles também afirmaram que é necessário reforço na fiscalização que compete à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
O debate foi promovido a pedido de dois senadores: Rosana Martinelli (PL-MT), que conduziu a reunião, e Alan Rick (União-AC).
Ao defender o governo, o senador Fernando Farias (MDB-AL) disse que "todos nós dependemos de ferrovias, e os donos de concessões precisam viabilizá-las".
— Fato é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem investido muito no Ministério dos Transportes — declarou ele, acrescentando que os investimentos em ferrovias no Brasil são muito caros.
Fernando Farias assumiu o cargo de senador em fevereiro do ano passado, quando substituiu Renan Filho (MDB), que se licenciou para se tonar ministro dos Transportes.
Ao responder aos comentários de Farias, Rosana Martinelli afirmou que "nosso intuito é discutir e atualizar os dados apresentados pelos participantes [do debate] e encaminhar ao governo os nossos anseios e as necessidades sobre o setor".
Elisângela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)), considera as ferrovias essenciais para o agronegócio. Para ela, não é possível aceitar que 60% de toda a produção nacional continuem sendo transportadas por rodovias, “pois há a possibilidade de o país utilizar outros meios de locomoção dessas cargas”.
— Até quando ficaremos cativos do modo rodoviário para chegar com nossa carga no supermercado ou num porto de exportação, por exemplo? Precisamos refletir sobre essa tendência de investimentos anunciada pelo governo, mas ela precisa ocorrer de modo célere, porque a gente tem produto, mas a gente tem ferrovia? — questionou Elisângela.
André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), destacou a relevância do debate, afirmando que a entidade recebe frequentemente relatos de recusa de atendimentos pelas concessionárias de ferrovias, sob alegação de falta de capacidade. Segundo ele, esses relatos são levados ao conhecimento da ANTT, mas a agência não tem conseguido efetuar a fiscalização.
— Aumentar a competição no setor ferroviário é o nosso objetivo. Mas, infelizmente, como repostas aos questionamentos postos às comissões no âmbito da ANTT, as concessionárias têm se apoiado nos contratos de concessão para não fornecer as informações solicitadas para o controle social. Isso tem sido ilegitimamente empregado como suporte para a inação da ANTT, tornando o quadro de difícil acompanhamento pelos usuários. A nosso ver, trata-se de uma falha na regulação e fiscalização pela agência, que legalmente deveria proteger o usuário por um mecanismo confiável de denúncia anônima, seja de forma direta ou por meio de entidades representativas — alertou o presidente da Abiove.
André Nassar defendeu mais transparência nas informações, sobretudo naquelas que permitem avaliar a eficiência do serviço — como perdas de mercadorias ao longo do transporte e tempo de percurso. Ele também sugeriu a abertura de um canal de denúncias confidenciais para receber os relatos dos usuários, em especial aqueles de negação de serviço por alegada falta de capacidade.
Para ele, também seria importante uma fiscalização integrada virtual, com a implementação plena do Centro Nacional de Supervisão Operacional (CNSO), da ANTT.
— Os investimentos em material permanente ou rodante devem ser ajustados conforme o crescimento das projeções de carga. O gatilho de ampliação vinculado à saturação da malha muitas vezes falha, pois a empresa nega capacidade, o que não se reflete nos indicadores. Então é crucial modificar essa abordagem para alinhar o crescimento ferroviário ao aumento das projeções de safras — argumentou André Nassar.
Superintendente de Transporte Ferroviário da ANTT, Alessandro Baumgartner respondeu que a agência precisa de problemas objetivos a serem solucionados, para então poder agir. Segundo ele, as concessionárias negam que recusam cargas, “até mesmo porque essa denúncia não tem sentido”. Para o superintendente da ANTT, é preciso mais clareza nas informações repassadas:
— Quem recusou a carga? Quanto, quando e onde? A gente precisa de algo sólido para trabalhar. O mesmo acontece em relação aos indicadores. Todos estão disponíveis no site da ANTT. Se não estão na forma desejada, é preciso que isso seja informado para que se faça a alteração. Precisamos de objetividade para atuar. Quais dados e como se quer esses dados, por exemplo, para sabermos se podemos atender ou não. Não há necessidade de expor o usuário, mas o problema, sim — ressaltou Alessandro Baumgartner.
Diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Ferreira Gomes Barreto avalia que é alto o volume de investimentos necessários para as ferrovias, mas considerou pequena a participação do poder público no setor. Ele afirmou que houve crescimento do volume dos principais produtos agrícolas transportados por trens, mas observou que esse ritmo ainda é insuficiente para corresponder à velocidade do desenvolvimento do agronegócio do Brasil.
Para ele, a expansão da malha ferroviária no país depende do envolvimento de diversos atores, públicos e privados.
— A ferrovia precisa de dinheiro novo, e não que se retire essa verba, e o setor privado não fará esses investimentos sozinho. Estamos tratando do grão, da celulose, do minério, e a participação do setor público é fundamental para demonstrar esse potencial ferroviário nacional. A transformação ecológica buscada por meio dessa matriz de transporte não tem se refletido no orçamento público da União ou no apoio dado pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Então se faz necessário um "acordar" do poder público como um todo, para que de fato ele assuma um compromisso porque, sem isso, a gente terá muita dificuldade para virar esse jogo.
Secretário nacional de Transportes Ferroviários do Ministério dos Transportes, Leonardo Cézar Ribeiro defendeu uma expansão sustentável e a melhoria contínua do transporte de cargas nacional por meio das ferrovias. Ele salientou que o país tem um histórico satisfatório de investimentos no setor, com R$ 10,4 bilhões em 2023. Em 2024, segundo ele, os valores oriundos do setor privado devem chegar a R$ 14,4 bilhões. Para 2025, ele estima que o valor deverá alcançar R$ 16,7 bilhões e, para 2026, deve atingir a marca de R$ 14,2 bilhões.
— O papel do governo é reunir à mesa usuário e concessionária, de forma que a oferta e a demanda sejam viáveis para essa operabilidade, a exemplo do que está ocorrendo em outros países. A gente entrou num diálogo com as concessionárias, começando pela malha paulista, e a ideia é termos um plano transparente e com recursos. As futuras renovações já estão acontecendo, e um ponto central a ser destacado é a necessidade de se promover renovações sem indenizações antecipadas dos ativos não amortizados — declarou ele.
Rosana Martinelli questionou Leonardo Cézar Ribeiro sobre o andamento das obras da Ferrogrão. Esse projeto, de competência do governo, tem cerca de 933 km de extensão. E a previsão é que ligue a região produtora de soja em Sinop (MT) aos terminas fluviais de Miritituba (PA).
A questão é polêmica e está sob análise no Supremo Tribunal Federal (STF). Representantes do agronegócio consideram a Ferrogrão estratégica para transportar a produção de milho e soja, mas essa ferrovia enfrenta obstáculos na Justiça, já que seu traçado atravessa uma unidade de proteção ambiental.
Leonardo informou que a atualização dos respectivos estudos já foi entregue ao STF e demonstra ser possível construir a obra ao lado da rodovia, utilizando-se a faixa de domínio.
— Temos condições de levar o projeto a leilão em 2025, mas é um caso que envolve, além do governo, o Tribunal de Contas da União [TCU]. Mesmo havendo inúmeros desafios, o estudo mostra que é possível promover a infraestrutura, ao mesmo tempo em que se respeita todo o arcabouço institucional ambiental — afirmou o secretário do Ministério dos Transportes.
Para a senadora, é preciso dar celeridade à obra, com apoio do Congresso Nacional, a fim de que o projeto se concretize:
— São investimentos altíssimos, que precisam ser aprovados. Não podemos deixar o meio ambiente travá-los. Ninguém é contra o meio ambiente, mas ele não pode travar projetos, porque o Brasil precisa dessa continuidade e essa questão das ferrovias é primordial — declarou Rosana Martinelli.
A Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) , que promoveu o debate, tem como presidente o senador Confúcio Moura (MDB-RO). A vice-presidente é a senadora Augusta Brito (PT-CE).
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