A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) promoveu, na tarde desta quarta-feira (9), mais uma audiência pública para debater os impactos da reforma tributária. Desta vez, o foco foi no imposto seletivo em setores como o de bebidas alcoólicas e o de óleo e gás. Os debatedores reconheceram a importância da reforma, mas divergiram sobre o alcance do imposto seletivo — como é chamado o imposto que visa desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Um exemplo da aplicação desse tributo, também chamado de “imposto do pecado”, é a cobrança sobre cigarros, produtos poluentes e bebidas alcoólicas.
O requerimento para a reunião ( REQ 66/2024 ) foi apresentado pelo presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). A audiência faz parte do ciclo de debates para ajudar o grupo de trabalho coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) na avaliação da regulamentação da reforma tributária ( PLP 68/2024 ).
Foi Izalci quem dirigiu os trabalhos. Ele informou que a apresentação de um relatório, com base nas conclusões das audiências, está prevista para o próximo dia 22. Segundo o senador, será um relatório sintético e didático, com justificativas capazes de convencer da necessidade de possíveis mudanças no texto. Ele voltou a defender que o projeto seja debatido primeiro na CAE e depois encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
— Existem coisas que precisam ser mudadas. Um ponto que é preciso registrar é que o imposto seletivo tem que ser para proteger as pessoas e o meio ambiente e não servir apenas para aumentar a arrecadação — defendeu o senador, que ainda manifestou preocupação com a sonegação de impostos.
Para o senador André Amaral (União-PB), é preciso ter um tratamento diferenciado para produtos diferenciados. Ele citou como exemplos a cachaça de alambique e a cerveja artesanal, que teriam “uma relevância social gigantesca”. Segundo o senador, os produtores de cachaça de alambique e de cerveja artesanal enfrentam muitas dificuldades para manter seus negócios e precisam contar com uma alíquota reduzida.
— Esse produto, que é genuinamente brasileiro, tem que ter um tratamento diferenciado. É necessário ter sensibilidade pela relevância social desses produtos — ponderou o senador.
De acordo com a procuradora da Fazenda Nacional Fernanda Schmitt, o imposto seletivo tem uma finalidade extrafiscal — ou seja, serve não apenas para arrecadar, mas também para induzir comportamentos. Ela informou que existe uma discussão sobre a constitucionalidade da cobrança do imposto seletivo na mineração para exportação. Segundo Fernanda Schmitt, a cobrança sobre bens extraídos seria justificada por conta dos danos que a extração causa ao meio ambiente do país, independentemente de o minério vir a ser exportado.
O gerente tributário de Exploração & Produção do Instituo Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Matias Lopes, disse que existem inadequações no imposto seletivo para a área de petróleo. Segundo Lopes, há vários estudos que apontam que o petróleo continua sendo necessário para a energia do planeta. Ele afirmou que o setor já paga uma elevada carga tributária. Assim, acrescentou Lopes, a adição de qualquer tributo diminui a atratividade do país. Ele ainda sugeriu a exclusão da área de óleo e gás da incidência do imposto seletivo e pediu a desoneração total para as exportações do setor.
— Os royalties e as participações especiais também cumprem o papel de financiar a proteção ambiental. O imposto seletivo para o setor de óleo e gás gera uma bitributação — argumentou.
Na mesma linha, o consultor jurídico da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Erick de Paula Carmo, pediu a exclusão do gás natural da cobrança do imposto seletivo. Segundo Erick Carmo, o gás precisa ser visto como um bem essencial. A presidente da MSGas, Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, elogiou a reforma tributária, mas disse que alguns pontos precisam ser melhorados. Segundo Cristiane Schmidt, é importante retirar o setor de gás da incidência do imposto seletivo. Ela argumentou que os ônibus a gás são menos poluentes que os movidos a gasolina ou diesel e que o gás natural é importante na transição energética do país.
— A gente quer induzir um comportamento, mas não vai ser colocando imposto no gás natural — registrou Cristiane Schmidt.
O presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), Márcio Maciel, citou uma pesquisa que aponta que, para 85% dos brasileiros, compartilhar uma cerveja com os amigos é parte da cultura do nosso país. Segundo Maciel, 90% da riqueza gerada por uma cervejaria fica na localidade em que ela está instalada. Ele também, disse que o Brasil aplica as alíquotas agregadas mais elevadas em toda a América Latina. De acordo com Maciel, o setor cervejeiro apoia a reforma, mas se posiciona contra o aumento da carga tributária.
O presidente do Sindicerv também disse entender a presença do setor no imposto seletivo, mas fez algumas sugestões. Ele sugeriu uma progressividade do imposto seletivo, ou seja, quanto maior o teor alcoólico da bebida, maior sua alíquota. Outra medida seria um tratamento diferenciado para o pequeno produtor. Maciel ainda pediu ajustes no mecanismo de transição, para que não haja aumento da carga tributária.
— A gente não está pedindo para não pagar imposto seletivo, mas pedimos para não aumentar a nossa carga — afirmou.
O presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (Abbd), Eduardo Cidade, defendeu a isonomia e a igualdade tributária entre todas as bebidas. Ele reconheceu que o imposto seletivo tem a preocupação com a saúde do consumidor, mas disse que a discussão sobre qual bebida é mais ou menos prejudicial "não leva a lugar nenhum". O presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Gilberto Tarantino, pediu um tratamento diferenciado para as pequenas indústrias de bebidas. O mesmo pedido foi feito pelo presidente da Diretoria Executiva do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), Carlos Lima.
Diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Letícia de Oliveira Cardoso informou que as doenças crônicas vitimam mais de 700 mil brasileiros ao ano, com grande impacto sobre as finanças públicas. Segundo ela, algumas das principais causas são o uso de tabaco e o consumo de álcool e de alimentos processados. Letícia Cardoso lembrou que o consumo desses produtos causa doenças como câncer, problemas cardiovasculares e males respiratórios. Segundo a diretora informou, quase 10% dos óbitos no país para todas as idades estão associados ao consumo de álcool. Ela apontou que o imposto seletivo reduz problemas de saúde e colabora com uma arrecadação maior.
— Seus maiores reflexos serão observados nos grupos populacionais de menor renda, que respondem mais rapidamente ao aumento de preço. Temos a necessidade de proteger a população de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente — argumentou Letícia Cardoso.
A gerente sênior de Advocacy e Estratégia da Oceana Brasil, Lara Iwanicki, defendeu a inclusão do plástico de uso único no imposto seletivo. Segundo ela, há vários estudos que mostram o impacto desse tipo de produto no meio ambiente e na saúde humana. A representante da Oceana também disse que os países que implementaram a taxação de plásticos registram importantes impactos positivos como a redução significativa do consumo de plásticos descartáveis, o desenvolvimento de novos mercados e empregos verdes em indústrias alternativas e o alívio fiscal para governos em custos de gerenciamento de resíduos.
— A inclusão do plástico no imposto seletivo desencoraja o uso de plásticos descartáveis problemáticos e não recicláveis, diminuindo a demanda por produtos poluentes e incentivando alternativas sustentáveis — afirmou.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) acompanhou parte do debate. O secretário-geral do Instituto Pensar Energia, Felipe Fernandes Reis; o presidente da União Nacional da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas (Uncab), João Batista Ferreiras Dornellas; o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-DF), Beto Pinheiro; o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Edson Vismona; a coordenadora do Comitê Técnico Tributário da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Daiane Lima; e o presidente da Associação dos Produtores de Charutos Artesanais do Brasil, Renato Mats Roll, também participaram da audiência.
A audiência foi realizada de forma interativa, com a possibilidade de participação popular por meio do portal e-Cidadania . O senador Izalci Lucas destacou algumas dessas mensagens recebidas. O internauta identificado como Marcos, do Distrito Federal, manifestou preocupação com o impacto do imposto seletivo sobre a população menos favorecida. Franciso, de Minas Gerais, elogiou a promoção do debate pela comissão. Já Rodrigo, do Rio Grande do Sul, disse que o imposto seletivo é importante para desincentivar o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
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