Foto: Divulgação/Epagri
Considerada “vilã” na emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), a pecuária pode se transformar em um sistema carbono zero ou até mesmo remover o gás carbônico (CO2) da atmosfera em grande escala. O segredo brota do chão: a alimentação dos animais à base de pastagens é uma forma sustentável para o meio ambiente e economicamente vantajosa para a produção de carne e leite.
As espécies de pastagens perenes , que não precisam ser semeadas todos os anos e se perpetuam a longo prazo, são as maiores aliadas na missão de retirar o carbono da atmosfera. As raízes dessas plantas crescem em maior profundidade e, enquanto os animais pastejam com manejo ideal, a “mágica” acontece embaixo da terra.
“É a partir da raiz que as plantas vão acumular e armazenar carbono no solo. A planta faz a fotossíntese, ou seja, captura CO2 e o utiliza para produzir folhas, colmos e raízes. Como a planta serve de alimento para os animais, as raízes constantemente se renovam. A raiz morta se degrada e o CO2 que foi obtido da atmosfera vai parar no solo”, descreve Tiago Celso Baldissera, pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Lages.
Algumas espécies de pastagens perenes podem ter raízes que ultrapassam 2 ou 3 metros de profundidade. Quando manejadas corretamente, essas plantas têm potencial de remover até 3,79 toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente) por hectare a cada ano. O crescimento dessas raízes também traz outros benefícios ambientais para a pecuária.
Elas potencializam a infiltração e o armazenamento da água no solo, reduzem o risco de erosão, aumentam a capacidade de resistência a estresses como secas mais prolongadas e tornam o solo um abrigo fértil para diversos macro e microrganismos.
“Outra vantagem é a redução do número de operações com maquinários para plantio ou semeadura, impactando também na pegada de carbono da produção animal”, acrescenta Tiago. Reduzindo o uso de equipamentos que necessitam de combustíveis fósseis, diminui-se a emissão de CO2.
Gás carbônico, metano e óxido nitroso são os principais gases causadores do efeito estufa. A agropecuária responde por cerca de 12% das emissões de GEE no planeta. No Brasil, do total de emissões, aproximadamente 28% têm origem nas atividades de agricultura e pecuária. “O metano é o principal gás emitido pelos bovinos durante a digestão via eructação, ou seja, o arroto. A produção de bovinos de leite e de corte representa 65% da emissão de metano do país”, conta Tiago.
A virada de chave da pecuária está no manejo. O pesquisador da Epagri explica que o que determina o saldo de gases do efeito estufa nessa atividade é a forma como ela é conduzida. “Quando se trabalha a pecuária com boas práticas de produção, principalmente à base de pastagens, se consegue estabelecer estratégias de mitigação para alcançar saldo positivo do balanço do efeito estufa. Ou seja: capturar mais do que emitir e ter um sistema carbono zero”, descreve.
A produção de carne e leite à base de pastagens é prioridade no trabalho da Epagri em pecuária. A Empresa recomenda aos pecuaristas o uso preferencial de pastagens perenes na construção de sistemas pastoris em todas as regiões de Santa Catarina.
Apenas em 2023, 26 mil famílias foram atendidas com esse direcionamento – dessas, 7,7 mil famílias foram orientadas para a implantação de pastagens. Ao longo do ano, as pastagens perenes se expandiram por mais 3.827 hectares no Estado.
Na área da pesquisa, a Epagri desenvolve estudos em temas como melhoramento vegetal (para desenvolver novos cultivares de forrageiras perenes), manejo da adubação, construção de sistemas multidiversos (ou seja: pastagens com mais de uma espécie forrageira em consórcio e com árvores), manejo do pastejo e avaliação dos serviços ecossistêmicos providos por pastagens perenes.
Em 2022, a pesquisa da Epagri mergulhou ainda mais fundo nas questões ligadas à emissão de carbono e iniciou o projeto Pecuária ConSCiente Carbono Zero. Esse projeto, que segue até 2026, busca desenvolver tecnologias e estratégias de mitigação de gases do efeito estufa, principalmente o metano entérico, além de definir parâmetros para calcular a pegada de carbono da pecuária de corte e leite bovina à base de pastagens em Santa Catarina.
O projeto envolve questões como nutrição dos animais, manejo das pastagens e do solo e outras formas de aumentar o sequestro de carbono. “A intenção é buscar estratégias de manejo para a pecuária à base de pasto que levem à mitigação das emissões e, se possível, a um balanço neutro de carbono, associando a imagem da pecuária catarinense a um ambiente de produtividade, qualidade e sustentabilidade”, explica o pesquisador Tiago Baldissera, que coordena o projeto.
A Epagri também integra uma iniciativa que busca atender o compromisso assumido por Santa Catarina de reduzir as emissões de GEE. O Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono ABC+SC , construído pela Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária, reúne 20 instituições para a adoção de tecnologias sustentáveis no setor agropecuário. O objetivo é gerar um potencial de mitigação de 86,78 milhões de toneladas de carbono até 2030.
Na pecuária, uma das metas é aumentar em 75,7 mil hectares a área de pastagens recuperadas, por meio da adoção de tecnologias que aumentem o teor de matéria orgânica no solo e a produtividade. Esse plano está em ação e, em 2023, o manejo e a recuperação de 8,7 mil hectares de pastagens degradadas no Estado resultaram no sequestro de 50 mil toneladas de carbono equivalente.
Usar as pastagens para melhorar os indicadores econômicos e ambientais da pecuária exige conhecimento. Nas propriedades rurais, a Epagri orienta os produtores a escolherem as espécies perenes mais adequadas. As escolha envolve fatores como a região, o clima, o solo, as necessidades do produtor, se é pecuária de leite ou de corte, ou, ainda, se é de cria ou terminação, por exemplo.
Entre as pastagens perenes de verão recomendadas pela Epagri, ou seja, aquelas que produzem mais durante os meses quentes, estão as seguintes variedades: capim-elefante BRS Kurumi e Pioneiro, Tifton-85, Jiggs, Missioneira-gigante, braquiárias e capim-tangola. “Essas pastagens compreendem praticamente 90% das espécies recomendadas pela Epagri em Santa Catarina. Entre as perenes de inverno, temos as festucas e a Dactylis glomerata”, cita Tiago Baldissera.
Ele também acrescenta as leguminosas, que são especialmente importantes porque têm a capacidade de captar o nitrogênio do ar e fixá-lo no solo. “Temos o amendoim-forrageiro, que é uma leguminosa perene de verão, e outras espécies que não são perenes, mas se mantêm na área por ressemeadura natural, como trevo-branco, trevo-vermelho e cornichão”, enumera. Há ainda a estratégia de consorciar diferentes espécies de pastagens. Essa medida torna a produção mais estável e resistente a estresses como excesso ou falta de chuva, por exemplo.
A produção de pasto de qualidade, garantida durante o ano todo, tem motivado cada vez mais pecuaristas a investir nas espécies perenes em Santa Catarina. Afinal de contas, a alimentação dos animais é o principal custo de produção da pecuária e impacta diretamente nos indicadores econômicos da atividade. Isso significa que, enquanto “economizam” na alimentação dos animais, as famílias lucram mais e preservam o meio ambiente. Com raízes cada vez mais profundas, o futuro da pecuária sustentável brota do chão.
Depois que testou as pastagens perenes em uma área de 5 hectares, em 2021, o pecuarista Fábio Zen Salces, de Bocaina do Sul, ampliou a área ano após ano. Hoje, 48 dos 50 hectares de pastagem da propriedade têm espécies perenes. Elas alimentam um rebanho de bovinos de corte que varia entre 120 animais no inverno e 200 no verão.
Fábio trabalha com pastagens de Tifton 85, uma espécie de verão, e com áreas de consórcio de Dactylis, trevo branco e vermelho e cornichão. “O investimento é maior no primeiro ano, mas as pastagens permanecem por anos. Sem falar que não há vazio forrageiro, então o custo fica muito inferior às pastagens anuais”, destaca.
Além de aumentar a oferta de forragem com custos menores, Fábio viu o desempenho econômico da atividade melhorar. “O animal que recebe um alimento de excelente qualidade nutricional vai ter maior deposição de gordura subcutânea e marmoreio, o que dá maciez e sabor à carne. Outra consequência da oferta de alimentos em grande quantidade é a precocidade dos animais”, diz.
Em 2023, mesmo com episódios de excesso de chuva, as pastagens perenes se mantiveram produtivas na propriedade. “O solo tem excelente cobertura, então fica resistente ao pisoteio e à erosão. Não preciso tirar os animais quando chove muito, apenas fazer ajustes de lotação de carga”, conta o produtor.
O pesquisador Cassiano Eduardo Pinto, da Epagri, explica que, pelo fato de já estarem implantadas e não precisarem ser semeadas todos os anos, as pastagens perenes trazem mais segurança para o produtor do que as anuais. “Quando são semeadas em época de seca, as pastagens anuais podem não germinar; já as pastagens perenes estão estabelecidas e, mesmo com volume menor de chuva, são adequadas para média produção. No outro extremo, quando há muita chuva, as sementes das pastagens anuais podem até apodrecer, como ocorreu na primavera de 2023”, alerta.
Fábio é médico-veterinário e trabalha como produtor rural desde 2011. Consciente da importância de produzir de forma sustentável, ele ocupou com pastagens menos da metade da área da fazenda, que tem 116 hectares – o restante é de mata.
Ao longo dessa trajetória na pecuária, ele destaca a parceria da Epagri na busca de conhecimento para melhorar os resultados. “Comprei as terras em 2014 e comecei a buscar informações com a Epagri sobre correção, análise de solo e espécies forrageiras que se adaptavam na região. Desde então, venho aprimorando muito meu conhecimento com a Epagri. Já participei de dias de campo e até já realizamos um evento aqui na fazenda”, conta.
Conheça essas e outras ações da Epagri no Balanço Social 2023 .
Mín. 17° Máx. 28°
Mín. 12° Máx. 31°
Tempo limpoMín. 14° Máx. 31°
Tempo nublado